A provocação pode soar absurda. Mais que isso: pode parecer temerária para quem acompanha os mercados brasileiros há tempo suficiente para ter cicatrizes. O ceticismo virou quase uma segunda natureza para o investidor tupiniquim — e com razão. Décadas de turbulências políticas, crises fiscais recorrentes e episódios de destruição de valor ensinaram que euforia e Brasil raramente combinam.

Mas e se eu te disser que existe, em tese, um caminho matemático para o Ibovespa bater os 300 mil pontos nos próximos dois anos, conforme a tese defendida pela ASA Investimentos? A pergunta que fica é: devemos mesmo acreditar nisso?

Os números, à primeira vista, até parecem menos absurdos do que imaginávamos. Com o índice ao redor dos 164 mil pontos, atingir os 300 mil em dois anos exigiria uma valorização anualizada ao redor dos 35%. Matematicamente factível, diriam os otimistas. Historicamente improvável, responderiam os céticos.

E aqui começa o verdadeiro problema: a matemática dos mercados não opera no vácuo, sem fundamentos. Para que o Ibovespa dobre de patamar em tão pouco tempo, precisaríamos de uma combinação rara — e talvez impossível — de expansão de múltiplos e crescimento real de lucros.

Vamos aos fatos. Entre 2016 e 2021, o Ibovespa saltou de 38 mil para 120 mil pontos, uma valorização de 215% em cinco anos. Mas aquele foi um momento muito particular. O país acabava de atravessar o pior biênio da sua história recente, com o PIB encolhendo dois dígitos acumulados. Os múltiplos estavam comprimidos ao extremo — algumas empresas de qualidade negociavam por 4 ou 5 vezes seus lucros. A Selic havia atingido os 14,25% e começava uma trajetória descendente, rumo ao juro de um dígito. O crescimento era anêmico e as reformas estruturais pululavam. Era um cenário de reexpansão de múltiplos em um ambiente de novos negócios.

Hoje, o cenário é bem diferente — e a matemática, bem menos generosa. Após a alta desse ano, o Ibovespa já passou a negociar por múltiplos que não podem ser chamados de comprimidos. Se olharmos para o índice preço-lucro, já nos aproximamos da casa dos 10 a 12 vezes os lucros projetados para os próximos 12 meses. Não é caro, verdade, mas também não é uma barganha escancarada. Para alcançar os 300 mil pontos sem crescimento expressivo de lucros, os múltiplos teriam que se expandir para patamares históricos — algo mais próximo das 20 vezes lucros, nível raramente visto por aqui (e somente em momentos de euforia insustentável).

Aqui mora a questão central: da onde viria o crescimento de lucros sustentável? Nos últimos anos, o avanço médio dos resultados das empresas que compõem o índice tem orbitado entre 8% e 12% ao ano em termos nominais. Para justificar uma valorização de 35% ao ano nas ações, precisaríamos de um crescimento de lucros muito superior a isso — pelo menos na casa dos 25% a 30% anuais — ou de mais uma expansão violenta de múltiplos. Ambas as hipóteses ainda guardam grau elevado de incertezas...

A Selic se encontra em território restritivo, pressionada por um Banco Central que ainda luta para ancorar expectativas inflacionárias. É fato que ela deve cair em 2026, e voltar para o seu patamar médio, mas não deveremos ver juros de um dígito. O fiscal continuará sendo uma pedra no sapato. As reformas estruturais sumiram do mapa. E o mundo já não é mais aquele paraíso de juros negativos e balanços de bancos centrais inflados — pode até ser que algo venha nessa linha, mas será que não impulsionará novamente os desenvolvidos?

Mais que isso: a convergência de fatores que permitiria uma escalada do índice dessa magnitude é não apenas rara — é improvável. Precisaríamos de uma combinação quase perfeita: juros reais em queda acentuada, reformas avançando de forma consistente, fiscal se equilibrando sem mágicas contábeis, commodities em alta sustentada, e empresas entregando crescimento explosivo de margens. Quantas dessas variáveis você apostaria que se alinharão perfeitamente nos próximos 24 meses? Teremos ainda as eleições… depender do imponderável é difícil.

A verdade incômoda é que mercados adoram linearidade nas análises retrospectivas, mas odeiam na prática. O caminho de 2016 a 2021 não foi uma reta ascendente. Foi uma sucessão de sustos, correções violentas e recuperações inesperadas. E de lá para cá, o histórico foi irrisório. O baixo nível de crescimento de lucros segurou em especial as middle e small caps brasileiras.

Bom, mas então por que vale a pena discutir essa possibilidade? Porque mesmo que os 300 mil pontos sejam um exagero, o exercício de imaginar esse cenário nos obriga a questionar: o que precisaria acontecer para que o improvável se tornasse real? Quais seriam as condições necessárias? E, mais importante, quais oportunidades podem surgir no meio do caminho, mesmo que o destino final não seja atingido? Será que a oportunidade está realmente na bolsa brasileira? Ou será mais um devaneio da turma que respira ações locais?

A resposta pode não ser tão animadora quanto gostaríamos. Mas no mercado brasileiro, já aprendemos que pessimismo calibrado costuma ser melhor guia que otimismo ingênuo. E a matemática, dessa vez, parece estar do lado dos céticos. À conferir.

Forte abraço,

João Piccioni

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