Hoje de manhã, meu filho apareceu com uma moeda diferente na mão e veio me perguntar da onde ela era. De fato, era diferente das demais que ele carregava em seu cofrinho, com inscrições em inglês e latim. Era uma moeda de cinco centavos americana. Minha resposta direta à ele foi: essa é a moeda mais forte do mundo.

Ele olhou de novo, virou entre os dedos e pareceu não entender como algo tão pequeno podia carregar tanta força (foi correndo contar para a mamãe que aquela era a moeda mais forte do mundo… na cabeça dele, muito provavelmente, algo parecido com o Charizard do Pokemon).

E é curioso como, às vezes, as respostas mais simples revelam verdades profundas: o dólar continua sendo a medida simbólica do poder, da confiança e, em última instância, do humor global.

Há algumas edições atrás - exatamente há um ano -, escrevi sobre o “enigmático sorriso do mercado”, comparando o dólar à Mona Lisa de Da Vinci — um enigma que muda de expressão conforme o ângulo de quem observa. Naquela época, o sorriso do dólar parecia de canto: os juros nos EUA seguiam altos, a economia americana mostrava resiliência, e o mercado não via muitas possibilidades daquele ambiente ceder para um novo equilíbrio.

No entanto, ao longo do ano, o que vimos foi o enfraquecimento do símbolo global do dinheiro, causado por um alvoroço dos investidores globais em direção à tomada de risco. Nesses últimos meses, o bull market global tomou conta, justificando e dando corda para as mais variadas teses estapafúrdias (que por exemplo, os emergentes iriam dominar o capital…)

Mas agora, parece que o sorriso voltou a se mover.

Se por um lado, os Estados Unidos mantêm uma economia surpreendentemente sólida, amparada por resultados corporativos robustos, um mercado de trabalho que insiste em desafiar os manuais e um volume de investimentos em tecnologia e infraestrutura nababesco, do outro, a ausência de dados oficiais por conta do shutdown, a volatilidade do crédito nos bancos regionais e o aumento técnico do VIX trouxeram de volta a sensação de fragilidade.

Nesses momentos de incerteza e de dicotomia, o dólar volta a sorrir. A teoria de Stephen Jen, o Dollar Smile, explica bem esse comportamento: o dólar se fortalece tanto quando os EUA prosperam, quanto quando o mundo teme o caminho da sua economia.

Se nos extremos da curva, a moeda reflete o desequilíbrio global, no meio, onde há sincronia e confiança, ela se enfraquece. Mas o problema é que esse centro — o ponto de equilíbrio — raramente dura.

Nas últimas semanas, os eventos empurraram o sorriso para o lado mais tenso da curva. A janela de recompras corporativas está fechada pela temporada de resultados, a volatilidade aumentou e os bancos regionais voltaram à janela de redesconto. O movimento não é estrutural, mas técnico, fruto da redução da liquidez e da mudança de humor de curto prazo.

Ainda assim, para mim, parece precipitado enxergar nisso o prenúncio de uma virada. Os grandes bancos divulgaram números consistentes, e as companhias de tecnologia — as mesmas que simbolizam o novo ciclo de produtividade — continuam entregando lucros expressivos (vide os bons números da TSMC). Enquanto tivermos escassez de capacidade computacional, o caminho é para cima.

Os investidores (ainda) não estão em pânico; eles estão apenas mais atentos (e vão se tornar mais seletivos).

A pausa da euforia parece mais um ajuste natural do que o início de um novo regime. Vamos acompanhar.

O reflexo nos preços

Em termos dos ativos financeiros, o dólar voltou a ditar o tom dos mercados globais. O DXY (dixie para os íntimos), índice que mede seu desempenho frente às principais moedas, avançou ao longo das últimas semanas, refletindo a combinação entre a busca por proteção e a ausência de dados econômicos consistentes nos Estados Unidos. Por aqui, o real acompanhou o movimento global e perde 2,5% frente ao dólar no mês.

As bolsas globais também caminham em direção a um outubro mais cauteloso. Por ora, as perdas nos mercados americanos são pequenas. Até ontem, os índices S&P 500 e Nasdaq, caíam ao redor de 1%. Nos emergentes, o movimento foi semelhante: o MSCI EM recuou, puxado pelo câmbio e pelos ativos listados na Bolsa de Hong Kong. Entre os demais desenvolvidos, destaque positivo para a bolsa japonesa, cujos resultados corporativos têm surpreendido.

Já os ativos que dependem do excesso de liquidez também sentiram o impacto. Depois de um início de mês fantástico, o Bitcoin e o Ethereum vêm corrigindo, refletindo a redução do apetite por risco e a busca por liquidez. Ainda assim, a narrativa estrutural de inovação permanece firme, sustentada pelo avanço da infraestrutura de tokenização e pela crescente adoção institucional.

O ouro, por sua vez, retomou sua aura. O metal voltou a ser demandado por bancos centrais e investidores institucionais, sustentando preços próximos das máximas históricas nominais. A prata acompanhou o movimento, reforçando a leitura de que parte do mercado prefere proteção em meio à instabilidade dos juros e das moedas (ambos fazem parte daquela carteira “unfuck your money” da última edição).

Em síntese

O retrato do mês é claro: o dólar voltou ao centro do palco, as bolsas ajustaram o passo e os ativos de risco respiraram. Os próximos dias trarão novos resultados corporativos, novas falas (e decisão) do Fed e, inevitavelmente, novos humores. Não há mudança estrutural — apenas um mercado reprecificando confiança num intervalo de silêncio entre ciclos…

Agora temos um email: [email protected].

Mande suas dúvidas, sugestões e críticas para ele! Ficarei feliz em responder!

E em breve trarei novidades!

Forte abraço!

João Piccioni

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