O mercado global passou por uma Black Friday peculiar nos últimos meses. Não foi aquela correria de consumidor atrás de televisão com 50% de desconto. Foi algo mais sutil, mas igualmente voraz: uma reprecificação generalizada de ativos de risco enquanto o mundo digeria a ideia de que os juros não ficariam altos para sempre.

Só que, como toda Black Friday, a promoção está prestes a acabar. O que teremos em breve é o pós-venda. A liquidez (escassa por algumas semanas) voltará a circular, os prêmios de risco serão comprimidos ainda mais, enquanto o dinheiro tático já se movimentou. A pergunta relevante para 2026 não é mais "devo aproveitar a promoção?". É: "o que fazer com o carrinho cheio de ativos que comprei na empolgação?"

O pivô monetário virou realidade

Não há mais debate sobre se os juros vão cair. A discussão migrou para quanto e até onde. O Federal Reserve já sinalizou a direção e, com isso, todos os demais Bancos Centrais o seguirão. Os investidores já refizeram as contas e começaram a reprecificar os ativos de duration longa — tecnologia, inovação, crescimento estrutural.

Quando o custo do dinheiro cede, são os ativos de cauda longa que respiram primeiro. Não é coincidência que empresas de tecnologia e inteligência artificial tenham sido as primeiras a surfar essa onda. Seus fluxos de caixa futuros, antes descontados a taxas altas, agora valem mais. É simples matemática.

O dólar, por sua vez, vive em seu dilema. Ele se enfraquece estruturalmente à medida que os Estados Unidos transitam para uma política fiscal mais expansionista. A questão é se quando o crescimento econômico voltar a aparecer, ele se fortalecerá (memórias da década passada). Por ora, o movimento reabre a janela para mercados emergentes, especialmente aqueles que oferecem carry trade atrativo.

Mas aqui está o ponto: liquidez abundante costuma criar euforia. E euforia, invariavelmente, gera bolhas. O nosso trabalho é separar o fluxo tático (o dinheiro que está entrando agora) do fundamento estrutural (o que sustenta os preços até 2026).

Bitcoin: será de novo o protagonista?

Houve um tempo em que o Bitcoin era o visto de forma independente da liquidez global. Quando ele subia, era sinal de que o dinheiro estava voltando a fluir. Agora, ele se tornou o protagonista.

O Bitcoin deixou de ser apenas um sinalizador para se tornar o ativo de máxima convexidade do ciclo. Sua sensibilidade ao custo de capital e ao apetite por risco certamente o recolocará no centro das atenções em um ambiente de juros baixos e liquidez farta. A narrativa construída ao longo desses últimos anos, trazendo-o como um "ativo alternativo" continuará a ganhar força à medida que o desconforto com moedas fiduciárias e dívida pública avança.

Se o cenário de flexibilização monetária se consolidar em 2026, não me surpreenderia ver o apetite transbordar para outros criptoativos de infraestrutura — blockchains, layer 2, DeFi. A evolução tecnológica está em curso. Mas isso é para quem tem estômago. A volatilidade continua sendo o preço de entrada.

Brasil: vitrine atraente (mas com letras miúdas sempre preocupantes)

No meio dessa liquidez global, o Brasil ocupa uma posição peculiar. De um lado, o fluxo estrangeiro encontra um país com juros reais elevados, inflação em desaceleração e uma Selic que, finalmente, começa a ceder. O dólar fraco globalmente favorece o carry trade local. É a vitrine bonita do shopping global.

Do outro lado, estão as letras miúdas. A situação fiscal permanece frágil. O arcabouço de gastos é testado constantemente, e a credibilidade institucional oscila ao sabor dos debates políticos. A Selic projetada para o final de 2026 ainda está em patamares restritivos — entre 12% e 12,75% —, o que limita o crescimento econômico e mantém o custo de oportunidade elevado.

O PIB para 2026 deve desacelerar. A inflação, embora controlada, ainda preocupa, com projeções de IPCA acima da meta. O calendário eleitoral e eventuais estímulos fiscais de última hora adicionam ruído ao cenário.

A alta recente da Bolsa brasileira reflete, em parte, uma diminuição do prêmio de risco. O mercado está mais confortável com a inflação doméstica, menos preocupado com um aperto monetário global prolongado e já colocando na conta a elevação dos lucros em 2026, acarretada pelo alívio monetário. Mas é importante não confundir esses três pontos abaixo com fundamentos reais:

  • Liquidez tática (dinheiro de curto prazo buscando carry e Bolsa)

  • Reprecificação de fundamento (expectativa de juros reais menores no futuro)

  • Negligência fiscal (o risco que volta a aparecer no próximo susto)

O investidor que entender essa diferença montará um portfólio à la carte, propício a manter retornos de longo prazo. Os demais comprarão o combo fechado e viverão sempre na torcida para que as letras miúdas não sejam cobradas.

O trabalho de casa para 2026

Se estamos de fato entrando em uma fase de liquidez mais folgada em 2026, faz sentido construir posições em:

  • Ativos de longa duração: aqueles que se beneficiam de juros reais mais baixos e condições financeiras mais soltas.

  • Ativos ligados ao crescimento estrutural: teses de longo prazo em inteligência artificial, infraestrutura digital e ganhos de produtividade.

  • Ativos com beta elevado de forma tática: Bitcoin e criptoativos de qualidade para quem busca maximizar o retorno nesse ciclo.

Entretanto, é sempre importante rememorar que a liquidez é cíclica. Dívida, demografia e fragilidade institucional são estruturais. A promoção do prêmio de risco é sedutora, especialmente após anos de aperto. Nosso trabalho como investidor não é ignorar a promoção. É saber o que colocar no carrinho, em qual preço... e, principalmente, o que deixar na prateleira, por mais brilhante que pareça no reflexo do vidro.

O ano de 2026 será da consolidação. Para alguns, será o ano dos ganhos estruturais. Para outros, será o ano de descobrir que compraram demais na euforia da Black Friday.

Até a semana que vem!

Forte abraço,

João Piccioni

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